quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Quem disse que sempre fomos falantes de português?
A Bienal tem um escritório aqui em Salvador. Fica no campus do Canela, na UFBA e é onde estou agora, aproveitando que a professora desse horário foi a um seminário para escrever no blog! Hoje eu vou falar da Língua Geral, uma coisa que talvez algumas das pessoas que lêem este blog não conheçam, embora eu nem saiba quem lê o blog. Até semana passada pensava que eram apenas as pessoas mais diretamente ligadas à Bienal, até que recebi um convite de uma aluna da Universidade Católica de Santos (UniSantos) que está produzindo um documentário no formato radiofônico sobre o Machado de Assis e me pediu uma entrevista porque leu este blog. Eu vou gravar a entrevista hoje, talvez ela permita que eu disponibilize para vocês.Ontem a filha de um professor me mostrou uma gramática da qual já tinha ouvido falar bastante, mas que nunca tive oportunidade de folhear. Trata-se da primeira gramática elaborada no Brasil. Quem fez foi o Padre Anchieta e, para surpresa de alguns, não é uma gramática de português e muito menos de latim! Logo que os colonizadores chegaram eles não impuseram imediatamente sua própria língua aos índios. Isso daria muito trabalho considerando que os índios eram maioria expressiva e que nem tudo se conquista à base de pólvora. Diplomacia e sedução também tiveram seu lugar, vide a estória dos espelhinhos e outros presentes que os portugueses davam aos índios, a integração plena de alguns europeus a tribos, o casamento com índias etc.A língua falada no Brasil era uma língua geral de base indígena. Algo que era razoavelmente entendido pelas tribos (especialmente pelas tribos da costa, que eram as mais importantes no primeiro momento) e que os portugueses se viraram para aprender. A gramática de Padre Anchieta era descritiva. Só com a reforma pombalina o português passou a ser língua única no Brasil e, ainda assim, essa foi uma das primeiras leis no balaio das leis que não pegaram aqui nos trópicos.
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
A peleja de fechar a programação lidando com egos e picuinhas
Desde a semana passada estou penando pra conseguir fechar a programação. Quer dizer, a programação está fechada porque eu PENSAVA que "fechar a programação" era conseguir decidir tudo direitinho - os temas, os participantes, as oficinas - e chegar em um consenso com as outras pessoas que opinam no assunto (ou seja, Luís Parras, coordenador da Bienal, Rafael, diretor de cultura da UNE, os outros coordenadores, o pessoal da lista dos Cucas e vocês, que visitam esse blog).
Ledo engano! Isso tudo que falei no primeiro parágrafo e que estive fazendo até a semana retrasada é apenas a ponta do imenso iceberg que é FECHAR A PROGRAMAÇÃO. Depois que todos os envolvidos diretamente na Bienal estão achando a sua programação linda, é necessário convencer os participantes a participarem. E, o pior, é preciso convencer muita gente a entregar os benditos contatos dos participantes. Eu realmente não entendo porque algumas pessoas precisam ser tão inacessíveis. Que motivo um professor, por exemplo, pode ter para não divulgar o e-mail na plataforma Lattes? Gente, é um professor, não é a Hanna Montana! Eu sei que pode ter uns pentelhos mandando e-mail demais, fazendo pergunta besta, mas nada que justifique ser tão complicado mandar um convite inocente para a Bienal da UNE.
Enfim, a peleja agora é encontrar os participantes, mandar convites, ouvir negativas, perguntar cachês, materiais... Essas coisas.
Uma das mesas que começa dando problema e que talvez caia é justamente a mesa sobre a qual falei no post da semana passada. Eu queria convidar Luis Antonio Sacconi, Marcos Bagno e Sírio Possenti para uma mesa sobre gramática e falar do povo brasileiro. É claro que eu sabia que Sacconi era normativista e os outros dois eram sociolingüistas e que as duas vertentes não se dão muito bem. Mas realmente não esperava que o professor Marcos Bagno se recusasse a vir para a Bienal por causa de Sacconi, nem que se referisse a ele como "um franco-atirador da gramática, além de ser um indivíduo pouco ético e grosseiro, nunca fez pesquisa na vida e é o que existe de mais retrógrado no que diz respeito ao ensino de língua". Me diz, isso é necessário? Falar mal dos outros é meu esporte favorito, mas se me convidassem para uma mesa com algum escritor que eu não gosto eu provavelmente aceitaria. Ou, no mínimo, negaria sem precisar fazer esse parecer negativo não solicitado a pessoa que me convidou. A resposta de Sacconi ao meu convite também não foi das melhores. Ele disse que está muito atarefado elaborando um novo dicionário, falou que gosta muito da Bahia e que virá pra cá em breve, citou lugares de Salvador que não supunha que ele conhecesse (uma professora minha do curso de Letras disse que Sacconi odiava baianos e achava que erros de português eram característicos dos lugares que sofreram influência africana, coisa que já percebi que é mentira), mas se referiu aos outro participantes da mesa da seguinte forma: "se os demais convidados se regessem pela ética, se tivessem caráter, se fossem homens na acepção literal do termo, muito me desvaneceria participar dessa mesa". Ou seja, tanto um quanto outro se recusam a estar na mesma mesa. Sou só eu que acho essa atitude extremamente infantil?
Ledo engano! Isso tudo que falei no primeiro parágrafo e que estive fazendo até a semana retrasada é apenas a ponta do imenso iceberg que é FECHAR A PROGRAMAÇÃO. Depois que todos os envolvidos diretamente na Bienal estão achando a sua programação linda, é necessário convencer os participantes a participarem. E, o pior, é preciso convencer muita gente a entregar os benditos contatos dos participantes. Eu realmente não entendo porque algumas pessoas precisam ser tão inacessíveis. Que motivo um professor, por exemplo, pode ter para não divulgar o e-mail na plataforma Lattes? Gente, é um professor, não é a Hanna Montana! Eu sei que pode ter uns pentelhos mandando e-mail demais, fazendo pergunta besta, mas nada que justifique ser tão complicado mandar um convite inocente para a Bienal da UNE.
Enfim, a peleja agora é encontrar os participantes, mandar convites, ouvir negativas, perguntar cachês, materiais... Essas coisas.
Uma das mesas que começa dando problema e que talvez caia é justamente a mesa sobre a qual falei no post da semana passada. Eu queria convidar Luis Antonio Sacconi, Marcos Bagno e Sírio Possenti para uma mesa sobre gramática e falar do povo brasileiro. É claro que eu sabia que Sacconi era normativista e os outros dois eram sociolingüistas e que as duas vertentes não se dão muito bem. Mas realmente não esperava que o professor Marcos Bagno se recusasse a vir para a Bienal por causa de Sacconi, nem que se referisse a ele como "um franco-atirador da gramática, além de ser um indivíduo pouco ético e grosseiro, nunca fez pesquisa na vida e é o que existe de mais retrógrado no que diz respeito ao ensino de língua". Me diz, isso é necessário? Falar mal dos outros é meu esporte favorito, mas se me convidassem para uma mesa com algum escritor que eu não gosto eu provavelmente aceitaria. Ou, no mínimo, negaria sem precisar fazer esse parecer negativo não solicitado a pessoa que me convidou. A resposta de Sacconi ao meu convite também não foi das melhores. Ele disse que está muito atarefado elaborando um novo dicionário, falou que gosta muito da Bahia e que virá pra cá em breve, citou lugares de Salvador que não supunha que ele conhecesse (uma professora minha do curso de Letras disse que Sacconi odiava baianos e achava que erros de português eram característicos dos lugares que sofreram influência africana, coisa que já percebi que é mentira), mas se referiu aos outro participantes da mesa da seguinte forma: "se os demais convidados se regessem pela ética, se tivessem caráter, se fossem homens na acepção literal do termo, muito me desvaneceria participar dessa mesa". Ou seja, tanto um quanto outro se recusam a estar na mesma mesa. Sou só eu que acho essa atitude extremamente infantil?
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
Entre normativistas e sociolinguístas...
A discussão entre os chamados normativistas e os sociolinguístas é acalourada e exerce influência direta na vida de todo mundo que se importa em usar o português da melhor forma possível ou simplesmente decidir qual é a melhor forma possível.Pra começar, vou fazer uma definição extremamente caricaturada e preconceituosa de cada uma das vertentes, a imagem que uma tem da outra, por assim dizer. Enquanto os normativistas são extremamente rigorosos, preconceituosos com quem não fala exatamente como a gramática tradicional recomenda e arcaicos ao ignorarem as mudanças na língua, os sociolinguistas pregam a anarquia, a terra onde tudo pode e por vezes forçam a barra considerando que o falar dos analfabetos é mais complexo e - pasmem - correto do que o das pessoas instruídas. É claro que ninguém pensa exatamente assim, espero eu.A sociolinguistica é uma corrente de pensamento iniciada nos anos 60 (mal sinal, eu sei) e que propõe que língua seja estudada a partir de fatos reais, ou seja, que ela seja estudada "no seio de uma comunidade de fala". A sociolingüista leva em consideração fatores extra-lingüísticos como o grau de instrução, a localização geográfica e outras questões relativas ao contexto do falante. Para um sociolinguista, uma pessoa que fala "Os menino tudo vão" em um ambiente em que esta variação é aceita não está errada. Até porque eles nem acreditam em erro de português.Já os gramáticos normativos acreditam em erro. São eles que geralmente nos dão aula de português na escola e é a eles que recorremos quando consultamos os famosos livros de dicas para escrever e falar bem, isso sem falar na televisão, no rádio e nos jornais. Normativistas por todo lado nos dizendo como falar e, por vezes, nos dizendo que não sabemos falar. Para os gramáticos as regras existem e, portanto, devem ser seguidas ao máximo. Alguns permitem variações entre a língua falada e a escrita, mas variações regionais ou de classe raramente são bem vistas. A Novíssima Gramática Ilustrada de Luiz Antonio Saconni é uma das obras mais caricaturadas desse tipo de pensamento. Saconni se refere às pessoas que falam errado como asnos e quer substituir a grafia de pizza por "píteça". Revoltado com essa obra, Marcos Bagno, lingüista e colunista da Caros Amigos, desceu o sarrafo em Saconni. O professor Sírio Possenti, autor de "Por que (não) ensinar gramática nas escolas" achou o barraco divertido e escaldou Saconni também, que respondeu chamando ele de mal-intencionado e infeliz. Ou seja, a confusão é boa e eu queria trazer todo mundo pra se digladiar aqui na Bienal!Entre
terça-feira, 2 de setembro de 2008
Machado de Assis na formação da literatura nacional e na formação dos escritores brasileiros
Meu nome é Juliana Cunha, eu sou coordenadora de literatura da 6ª Bienal da UNE e esse é meu primeiro texto aqui pro blog. Eu resolvi começar com uma apresentação minha e do tema da mostra convidada, que é a influencia de Machado de Assis na formação da literatura nacional e na formação dos escritores brasileiros.
Machado é praticamente uma influência universal entre os escritores brasileiros. Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Fernando Sabino, Paulo Francis e até o autor de novelas Manoel Carlos foram influenciados por Machado. Eu não sei se vocês já repararam, mas as tais Helenas das novelas de Manoel Carlos são todas baseadas na Helena de Machado (e em Helena de Tróia, em certa medida). Desde 1981 as protagonistas das novelas dele têm esse nome. Apesar de ser o grande escritor nacional, sua obra não tem a expressividade que merece no exterior, onde os leitores preferem Paulo Coelho e Jorge Amado e os acadêmicos preferem Clarice Lispector.
Quando começamos a discutir o tema da mostra convidada (aliás, nome estranho, considerando que não pretendo trazer nenhum médium pra psicografar Machado. Até planejo uma oficina via MSN, mas o viés é outro) surgiram as obviedades. O primeiro autor cogitado foi José de Alencar, um dos pioneiros na tentativa de se construir uma unidade nacional através da literatura, mas que acabou esbarrando em uma transposição do imaginário europeu para o meio da Amazônia. Alguns personagens de Alencar de fato parecem cavaleiros medievais com penachos na cabeça. Depois surgiu a possibilidade de trabalharmos "Viva o Povo Brasileiro", de João Ubaldo Ribeiro. Mais óbvio que isso ia ser difícil, o livro traz brasileiro no título! No entanto, acho que deveríamos fugir um pouco do óbvio e o fato de o autor ser baiano me incomodava um pouco. Apesar de a Bienal acontecer em Salvador, é bom ter sempre em vista que se trata de um evento nacional. A Bahia já estará presente em quase todas as mesas e oficinas, vamos deixar a mostra para um carioca!
Além de ser o melhor escritor brasileiro em minha opinião e na de um monte de gente, Machado é fundador da Academia Brasileira de Letras (ok, eu sei que hoje Marco Maciel, José Sarney e Paulo Coelho repousam seus traseiros sujos naquelas cadeiras, mas Machado era um escritor de prosa, nem Rimbaud exigiria o dom da vidência em um escritor de prosa!) e um artista que, por força das circunstâncias, foi obrigado a se formar exclusivamente no Brasil. Longe de mim fazer um discurso purista, contra influências ou mesmo valorizar Machado apenas por ele ter sido pobre (adianto da parte em que falarei sobre mim: tudo que eu não sou é pauperófila). A questão é: Machado conseguiu partir de um contexto extremamente local para falar de avareza, traição, interesses e todos os demais conflitos universais.
Ele era filho de um negro alforriado e uma portuguesa e morava de favor na casa da viúva de um senador. Não recebeu educação formal, embora vendesse doces em uma escola e espiasse as aulas sempre que podia.
Enfim, Machado é fodão. Basta ler a primeira página de Dom Casmurro pra entender isso. Expressões como "estudar a geologia dos Campos Santos" são mais engraçadas do que qualquer gíria contemporânea (ok, talvez "beijomeliga" chegue aos pés) e ele foi o único escritor brasileiro que Harold Bloom incluiu em "O Cânone Ocidental".
Agora, sobre mim. Eu tenho 20 anos, sou de Salvador, filha de funcionários públicos, estudo (estudar é um termo muito forte, eu tenho um registro de matrícula) Letras na Universidade Federal da Bahia e pratico exercício ilegal da profissão de jornalista desde 2003 (primeiro, no Jornal A Tarde, depois no Grupo Metrópole). Meu escritor favorito é Salinger. Ou Nabocov. Nesse exato momento é Nabocov porque estive relendo Lolita e me re-apaixonei por aquele trecho em que o Humbert Humbert diz: "porque esse tipo de gente acha tanto e se barbeia tão pouco?". Então, é isso: achem na mesma medida em que se barbeiem e vamos nos dar super bem.
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